terça-feira, 17 de abril de 2012

Um raminho de alecrim

 

 

Tanto Mar

Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim


Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Sim, por aqui é primavera. É Abril

Dizem-me que é Abril por aqui. 
O calendário assim o dita.

Mas não encontro as cores, os cheiros, as alegrias de Abril.
Procurei um raminho de alecrim e esbarrei nas paredes de arame com que cercam as terras.
Procurei cravos vermelhos e encontrei agressivos cardos a dificultarem-me o caminho.
Procurei alegria e vi os rostos tristes das gentes desempregadas.
Eu sei…eu sei, que restaram muitas sementes nos jardins, mas angustia-me o tempo que demoram a germinar.
Eu sei que temos muito por navegar. Tanto mar. Tanto mar. 
Só que  tão tempestuoso. Tão revolto.

Eu sei…apesar da tristeza e do desânimo, que nos vamos encontrar nas ruas.
Com as nossas bandeiras.
Com as nossas esperanças.
Com os nossos risos que teimamos jovens.

E com os cravos vermelhos que guardámos no coração e dividimos com os amigos.


Chico Buarque
 

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